Antes de mais, uma nota aos meus queridos seguidores e leitores deste meu blog: peço desculpa por reunir, no mesmo post, duas obras tão interessantes quanto díspares. Porém, esta escolha deve-se a questões da minha vida privada que, nas últimas semanas, me tem deixado menos tempo para me dedicar ao blog. Ainda assim, não quis deixar de registar duas estreias que merecem destaque: “Monólogos da Vagina – A Despedida”, pela Yellow Star Company, e “Company – Uma comédia musical”, pela Artfeist. Obrigado a ambas as produtoras pela oportunidade de estar presente nas respetivas noites inaugurais.
Duas estreias, duas noites que ficam na memória. Há espetáculos que nos lembram porque vamos ao teatro: para nos reconhecermos, para rirmos, pensarmos, e, sobretudo, para sentirmos. Tive o privilégio de estar nas estreias destes dois títulos muito diferentes e, ainda assim, profundamente complementares: “Monólogos da Vagina — A Despedida” e “Company – Uma comédia musical”. Saí de ambos com o coração cheio e a cabeça a fervilhar.
“Monólogos da Vagina — A Despedida”: aplauso de pé a uma geração de histórias
No Auditório do Taguspark, em Oeiras, a Yellow Star Company assina a derradeira temporada de um fenómeno que ensinou Portugal a ouvir o universo feminino com honestidade e humor. A versão de despedida volta a convocar os textos de Eve Ensler, agora filtrados por sensibilidades de hoje, com encenação de Paulo Sousa Costa, e mantém aquilo que sempre fez desta peça um abraço coletivo: a alternância entre o riso desarmante e a emoção crua. Estar na estreia foi, para mim, como assistir a um brinde final entre palco e plateia. Fala-se de corpo, de prazer, de medo e de pertença, e sente-se uma liberdade bonita a atravessar a sala.
Nesta temporada de despedida, o elenco tem sofrido uma rotação que refresca a energia do espetáculo. No Taguspark, a ficha artística atual anuncia Marta Melro, Maria Sampaio e Olívia Ortiz, em momentos anteriores, a produção contou também com interpretações de Joana Amaral Dias e Sofia Baessa, entre outras. Esta alternância sublinha a vitalidade do formato e mantém a peça viva, sem trair o espírito original. Do lado de cá da plateia, fica a gratidão: obrigado, Yellow Star Company, por me terem recebido numa despedida que é, também, uma celebração.
“Company – Uma comédia musical”: Henrique encontra Sondheim (e enche a casa)
No Casino Estoril, Henrique Feist conduz a chegada de “Company” a Portugal com a elegância e a inteligência musical que o título pede. Stephen Sondheim é sinónimo de sofisticação emocional: melodias que pensam e palavras que cantam. Nesta produção, com libreto de George Furth, seguimos Bobby, o solteiro rodeado de casais, num retrato moderno das nossas (des)ligações. O elenco, da fantástica Wanda Stuart a Pedro Pernas, Ana Capote, Valter Mira e tantos outros, brilha num ritmo que alterna melancolia com gargalhadas, sempre com desenho musical rigoroso e cenas que respiram Nova Iorque de 1970, sem perder o pulso e o ritmo de 2025. A estreia esgotou, e percebe-se porquê: a Artfeist entrega um espetáculo afiado, vivo, que fala diretamente a quem já se perguntou sobre compromisso, medo e o passar do tempo.
Além disso, Henrique Feist seguiu um caminho semelhante ao de Antonio Banderas na produção espanhola: conseguiu autorização oficial para adaptar a idade do protagonista. Em vez de um Bobby nos trinta e poucos, a história centra-se agora nos seus 50 anos, a idade real do intérprete, o que proporciona novas camadas de leitura às (des)ligações, ao medo do compromisso e ao balanço de vida. Essa atualização já tinha sido feita por Banderas (também com aval do detentor dos direitos) e aqui resulta particularmente orgânica, porque alinha a personagem com a maturidade emocional e o timbre da encenação. Obrigado, Artfeist, por me receberem numa primeira noite tão especial e por provarem como Sondheim continua urgente e próximo de nós.
Dois olhares, a mesma urgência
Se "Monólogos da Vagina" nos convoca para escutar, com respeito, as vozes que tantas vezes a sociedade tentou calar, "Company" pede-nos que façamos as perguntas difíceis sobre quem somos quando amamos (ou quando evitamos amar). Um lembra-nos a potência da palavra dita em corpo; o outro, a vertigem de harmonias que expõem a nossa hesitação. Saí de um e de outro com a mesma sensação: o teatro continua a ser o melhor espelho que temos: às vezes devolve-nos sobressaltos, outras vezes confirma-nos ternuras.
É um privilégio testemunhar o trabalho de equipas que acreditam no poder transformador do palco. À Yellow Star Company, pela coragem e pelo cuidado em encerrar um ciclo com dignidade; à Artfeist, pela excelência com que traz Sondheim para tão perto de nós. O meu sincero obrigado. Que venham as próximas temporadas, e que continuemos a encontrar-nos, de coração aberto, nas primeiras filas.
Notas práticas para quem quiser ir (e têm mesmo de ir)
“Monólogos da Vagina — A Despedida” está em cena no Auditório do Taguspark, com sessões anunciadas até novembro.
“Company – Uma comédia musical” está no Auditório do Casino Estoril, com sessões às quintas, sextas e sábados às 21h00 e domingos às 16h30